As facções que dominam os presídios brasileiros criaram uma narrativa de terror. Não basta matar, esquartejar, decapitar. É preciso filmar, fotografar, distribuir as imagens. A guerra nos presídios parece ter tomado uma dinâmica própria que inclui estratégias de comunicação. Duas chacinas pró PCC, uma contra. Mais de 100 mortos no Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte. A conta uma hora vai fechar?
Até aqui o revide de uma facção contra a outra embutiu um elemento de espetáculo tenebroso. A matança seguinte precisa ser mais horrorosa do que a anterior. Quem tem estômago para ver as imagens disponíveis nas redes percebe isto. Haverá uma próxima? Com quais requintes de crueldade e brutalidade?
Cabeças em pátios cheios de sangue. Cabeças separadas de corpos retorcidos. Filmetes de homens cortando cabeças de cadáveres. Restos de braços e pernas em padiolas. Tudo isto no Brasil. Diz respeito a todos nós. Nos lembra, para além da banalidade com que o mal é produzido, o quão longe chegamos na rota da desagregação. Desagregação do que? De tudo: da ideia de nação, de comunidade, de valores, de contrato social. Os presídios superlotados e sem condições de certa forma espelham o país. Quando cabeças são cortadas e exibidas tudo e qualquer coisa pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer hora.
Então qual é o padrão de convivência de todos com todos no dia-a-dia? No Brasil das decapitações a régua do que é certo e errado desaparece no turbilhão das galerias. O vácuo transpõe os muros e deságua nas ruas, mais dia menos dia. E o que faremos quando cabeças começarem a rolar nas praças e avenidas à luz do dia, quem sabe sob o aplauso geral de uma população desamparada e amedrontada.?
Acho que é isso: o espetáculo de maldade humana que emerge dos presídios brasileiros desafia as palavras e os pensamentos. Encará-lo se coloca como o primeiro desafio real do Brasil neste ano que mal começou. O dia que resolver, em um colossal esforço conjunto de governos, empresas, polícias, corporações, juízes, cidadãos, o nó do horror prisional, o país terá dado um passo enorme para reivindicar-se, quiçá de novo, como nação.
Imagem:Joe Lomas/Flickr
(@rogerjord)
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